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Como aliviar a disforia?

Existem várias formas de aliviar a disforia de gênero e quais medidas são tomadas para isso depende muito das necessidades de cada pessoa. Cada transição é única e não há um só jeito de fazer uma transição de gênero. Esta seção é uma lista dos vários caminhos possíveis.

Transição Social

A transição social é basicamente o que se costuma chamar de  “sair do armário”. Trata-se aqui simplesmente de anunciar ao mundo que você é transgênero. Você anuncia que deseja usar um novo nome e / ou novos pronomes – ou não, você pode apenas desejar que as pessoas saibam que você é trans e que você não se identifica de fato com o gênero binário que lhe atribuíram ao nascer. Para algumas pessoas não binárias, isso não significa necessariamente uma desidentificação total com o gênero atribuído no nascimento, uma vez que gênero é um espectro e existem tanto “homens não binários” como “mulheres não binárias”.

A transição social também frequentemente inclui mudanças na expressão pessoal da pessoa, como nas roupas, no cabelo, no uso de maquiagem e em alguns comportamentos. Esses elementos costumam ser associados ao gênero, e mudar a apresentação, além de ser algo que fazemos pela nossa própria autoestima, também ajuda a sinalizar para as pessoas ao nosso redor como desejamos ser tratados.

O principal objetivo da transição social é não precisar mais reprimir a si mesmo, seus trejeitos, maneirismos e outras formas naturais de expressão por receio de ser mal interpretado ou punido por isso. 

Transição Legal

Este é o processo de alterar seus documentos legais para refletir seu verdadeiro gênero. No Brasil esse processo segue a sequência de emitir uma nova certidão de nascimento com o nome e sexo retificados, e depois, com esses documentos em mãos, podem ser retificados outros documentos como RG e CPF. Existem vários guias de retificação como o Poupatrans ou os guias da Antra [1] e [2].

Até hoje, o a alteração do gênero no cartório foi limitada à mudança de masculino para feminino ou vice-versa, contudo, mais recentemente, no Rio de Janeiro, houve casos de pessoas que conseguiram, por meio de processo judicial, emitir uma nova certidão de nascimento com gênero “não-binário”.

Além da mudança na certidão de nascimento, também é possível no Brasil a inclusão do nome social nos seus documentos de forma gratuita, facilitada e não permanente por meio dos órgãos de registro estaduais (em São Paulo isso é feito no Poupa Tempo).

Transição Hormonal

A terapia hormonal masculinizante (desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas) consiste na introdução de testosterona, geralmente via injeção intramuscular ou gel tópico (aplicado sobre a pele). O aumento nos hormônios gonadais totais normalmente causa a interrupção da ovulação, que é a fonte da maior parte do estrogênio produzido nos ovários. Diferente da terapia hormonal feminizante, não há necessidade alguma do uso de um “bloqueador de estrógeno.” A forma mais econômica e eficiente de aplicação de testosterona no Brasil, e também a mais comum, é a injeção intramuscular.

A terapia hormonal femininizante (desenvolvimento de características sexuais secundárias femininas) consiste na introdução de estrogênio, normalmente estradiol, por meio de pílula oral, adesivo, gel transdérmico ou injeções regulares (intramuscular ou subcutânea). Outra possibilidade é o uso de implantes de liberação lenta. Também é prática comum prescrever um anti-andrógeno para bloquear a produção ou absorção de testosterona. No SUS é oferecida a espironolactona, um medicamento (originalmente criado para controle de pressão arterial) que tem como um dos seus efeitos o bloqueio da testosterona. Outro medicamento que endocrinologistas costumam receitar é o acetato de ciproterona, um bloqueador de receptores de hormônios andrógenos. No entanto, alguns médicos podem simplesmente optar por usar doses maiores de estradiol para interromper a produção gonadal de testosterona sem a necessidade de bloqueadores, que costumam ter alguns efeitos colaterais. 

A forma mais econômica e eficiente de aplicação do estrogênio no Brasil é atualmente o gel transdérmico (Oestrogel) aplicado em regiões de maior absorção. Porém, a injeção é um método mais prático, pois necessita apenas de aplicações semanais, enquanto o gel deve ser aplicado diariamente. Infelizmente, os únicos injetáveis disponíveis nas farmácias brasileiras consistem em anticoncepcionais que misturam progestinas sintéticas que, embora sejam receitadas em alguns postos do SUS, trazem uma chance considerável de causar sérios riscos à saúde.

Transição de Gênero de Crianças e Adolescentes

Poucas crianças têm características físicas marcadas o suficiente para serem lidas como homens ou mulheres sem pistas fornecidas por meio da apresentação. Portanto, em regra, não há qualquer intervenção médica necessária nestes casos, e a transição social é suficiente. Permitir que uma criança troque de cabelo e roupas é tudo o que é necessário para que ela seja vista como menina ou menino.

A partir da adolescência, passa a ser possível a utilização de medicamentos de hormônios diferentes daquele produzido pelo corpo da pessoa. No Brasil, a idade mínima para iniciar a terapia hormonal é de 16 anos, com a autorização dos responsáveis legais. Antes disso, é possível o tratamento com o uso de bloqueadores de puberdade até que a pessoa tenha idade e clareza o suficiente para decidir qual hormônio gonadal ela deseja que tenha efeito em seu corpo.

Note que a administração de bloqueadores de puberdade é muito diferente de uma transição médica, pois isso só atrasa a puberdade até que a pessoa chegue em idade para decidir sobre como quer proceder em relação aos seus hormônios sexuais. Com o devido acompanhamento médico, este tratamento não causa nenhum efeito indesejado, e a pessoa pode mais tarde continuar sua puberdade normalmente, seja com a produção natural de hormônios do seu corpo ou com medicamentos dos hormônios que seu corpo não produz naturalmente, a depender do que decidir.

Bloqueadores de puberdade podem envolver bloqueadores androgênicos (drogas que bloqueiam a ação dos hormônios masculinos) ou o uso de uma antigonadotrópico (droga que bloqueia os hormônios que causam a produção de estrogênio e androgênio), como o acetato de leuprolida (uma injeção aplicada em intervalos de poucos meses) ou acetato de histrelina (um implante anual).

A administração de bloqueadores é ainda pouco conhecida pela comunidade médica. Segundo a pediatra do HCFMUSP Ana Carolina Novo, há no Brasil apenas três centros de pesquisa que estudam a administração de bloqueadores para adolescentes sofrendo de disforia de gênero (sendo um deles o AMTIGOS em São Paulo). Tradicionalmente, o uso de bloqueadores é indicado em casos de puberdade precoce (quando crianças começam a desenvolver características sexuais secundárias mais cedo que o esperado), e os mesmos tipos de medicamentos costumam ser usados no caso de crianças transgêneros (com o mesmo objetivo).

Para além de dúvidas médicas, há um intenso debate acerca da liberdade de crianças trans em início de puberdade – e abaixo da idade em que possuem capacidade civil – em consentirem com o uso de bloqueadores. Argumenta-se que crianças seriam jovens demais para concordar em atrasar as mudanças trazidas pela puberdade. Contudo, há de se notar que sob esta mesma lógica, crianças também são jovens demais para concordar em passar pelas mudanças tipicamente trazidas pela puberdade “natural”, e o tempo adicional fornecido por bloqueadores na verdade aumentaria a liberdade de escolha da pessoa. Na prática, a saúde da criança deve vir em primeiro lugar, e demonstrações de disforia física e rejeição pelas mudanças trazidas pela puberdade indicarão a necessidade ou não do uso de bloqueadores, e estudos recentes indicam que o uso de bloqueadores de puberdade pode ajudar no alívio de sintomas de depressão, ideação suicida e problemas de sociabilidade em crianças e adolescentes trans. 

O tema já foi assunto de caso judicial no Brasil em 2017, depois que uma família entrou na justiça em 2017 para que sua filha de 12 anos tivesse o direito de interromper sua puberdade. Foi necessária a validação de toda uma equipe médica para que o processo fosse ganho.

Se as crianças não podem consentir com o uso dos bloqueadores da puberdade que interrompem quaisquer mudanças permanentes mesmo com a avaliação profissional pertinente, como podem consentir com as mudanças permanentes e irreversíveis que vêm com a sua própria puberdade sem qualquer avaliação profissional? Esta é literalmente uma posição em que mudanças permanentes estão bem, contanto que você não seja trans.
A incapacidade de oferecer consentimento informado ou compreender as consequências a longo prazo é, na verdade, um argumento para colocar cada pessoa cis e trans em bloqueadores de puberdade até que adquiram essa habilidade.

12:37 – 2 de dezembro de 2020

Alteração de voz

No desenvolvimento do aparelho vocal humano, a testosterona é o hormônio responsável pelo engrossamento das cordas vocais e outras mudanças anatômicas que resultam em uma voz mais grave (e tipicamente associada ao masculino). Tais mudanças costumam acontecer a partir da puberdade e podem se alongar até a idade adulta, e são irreversíveis.

Os hormônios sexuais femininos, por outro lado, não causam alteração nas cordas vocais.

Sendo assim, pessoas trans masculinas que desejam masculinizar a sua voz costumam alcançar esse efeito por meio da terapia hormonal. Também é possível que façam um treino de voz com fonoaudiólogo caso ainda não se sintam satisfeitos com sua voz ou caso não desejem usar testosterona.    

Por sua vez, pessoas trans femininas cujas cordas vocais já sofreram os efeitos da testosterona e que desejam alcançar um padrão de voz mais tipicamente feminino precisam recorrer ao treino de voz com fonoaudiólogo, o que pode demorar de alguns meses a poucos anos. O treino de voz é o tratamento mais seguro e recomendado nesse caso, porém também pode ser complementado com intervenções cirúrgicas no aparelho vocal, caso a pessoa ainda não se sinta satisfeita com sua voz.

Intervenções cirúrgicas

As cirurgias para transgêneros são normalmente divididas em três categorias distintas:

Cirurgias que envolvem órgãos genitais

  • Femininizante:
    • Orquiectomia (remoção dos testículos)
    • Escrotectomia (remoção de tecido escrotal, após orquiectomia)
    • Vaginoplastia (criação de uma cavidade vaginal)
    • Vulvoplastia (criação de uma vulva, com ou sem profundidade).
  • Masculinizante:
    • Histerectomia (remoção do útero e colo do útero)
    • Ooforectomia (remoção de um ou ambos os ovários)
    • Vaginectomia (remoção da cavidade vaginal)
    • Metoidioplastia (um processo que transforma o clitóris dilatado após a terapia hormonal em um pênis)
    • Faloplastia (construção de um pênis a partir de enxerto de pele)
    • Uretroplastia (extensão do canal uretral através do falo)
    • Escrotoplastia (uso de grandes lábios e falsos testículos para construir um escroto).
    • A faloplastia não requer necessariamente terapia hormonal prévia e, embora seja comum realizar vaginectomia, uretroplastia e faloplastia ao mesmo tempo, alguns cirurgiões podem realizar a faloplastia sem vaginectomia ou a faloplastia sem uretroplastia.

Para sua informação

Um campo de cirurgias genitais ainda em desenvolvimento é em operações em pessoas AMAB em que se busca realizar uma vaginoplastia sem a remoção do pênis. Este tipo de cirurgia é extremamente experimental e foi realizada apenas poucas vezes nos Estados Unidos, mas as perspectivas para o futuro são boas.

Uma opção adicional de cirurgia genital é a cirurgia de anulação genital, que visa remover completamente a genitália externa, deixando apenas uma abertura uretral.

Cirurgias torácicas

  • Feminizante:
    • Aumento dos seios via transferência de gordura ou implantes.
  • Masculinizantes:
    • Mastectomia bilateral (remoção de tecido mamário) com reconstrução torácica
    • Redução da mama (remoção de alguma gordura e tecido mamário)

Cirurgias Faciais

Essas cirurgias realizam modificações no crânio, cartilagem e pele de certas regiões do rosto, visando modificar traços associados a gênero (diferente de cirurgias plásticas feitas em pessoas cis, que têm finalidade estética). Quanto mais jovem for a pessoa, menos os hormônios sexuais terão causado alterações na sua estrutura óssea, ou seja, pessoas trans que começam a se hormonizar antes dos 20 anos, tendem a sentir menos necessidade desse tipo de cirurgia.

  • Feminizante:
    • Recontorno da testa
    • Recontorno da órbita ocular
    • Sobrancelha levantada
    • Correção de linha fina
    • Blefaroplastia (levantamento de bolsas nos olhos)
    • Rinoplastia (remodelagem do nariz)
    • Implantes de bochecha
    • Lifting labial
    • Preenchimento labial
    • Recontorno da mandíbula
    • Barbear traqueal (redução do Pomo de Adão)
    • Ritidectomia (face lift)
  • Masculinizantes:
    • Aumento da testa
    • Aumento de mandíbula
    • Aumento do queixo
    • Aumento traqueal (aumento do Pomo de Adão)